O Preto


Como a cor branca, o preto pode se situar nas duas extremidades da gama cromática, enquanto limite, tanto das cores quentes como das cores frias; segundo sua opacidade ou seu brilho, torna-se então a ausência ou soma das cores, sua negação ou sua síntese.

Instalado, portanto embaixo do mundo, o preto exprime a passividade absoluta, o estado de morte concluído e invariante, entre estas duas noites brancas, em que se efetuam, sobre seus flancos, as passagens da noite ao dia e do dia à noite.

O preto é a cor do luto; não como o branco, mas de uma maneira mais opressiva. O luto branco tem alguma coisa messiânica (tende a ver com Messias). Indica uma ausência destinada a ser preenchida, uma falta provisória.

É o luto dos Reis e dos Deuses que vão obrigatoriamente renascer: o Rei está morto, viva o rei! Corresponde bem à corte da França, onde o luto exigia o uso de branco.

O luto preto, podemos então dizer, é o luto
sem esperança. Como um nada sem possibilidade, como um nada morto depois da morte do sol, como um silêncio

eterno, sem futuro, sem nem mesmo a esperança de um futuro. Assim, ressoa interiormente o preto, escreve Kandinsky.

O luto negro é a perda definitiva, a queda sem retorno do nada: o Adão e a Eva do Zoroastrismo (religião), enganados por Arimã, vestem-se de preto, quando são espulsos do Paraíso.
Cor da condenação, o preto torna-se também a cor da renúncia à vaidade deste mundo, daí os mantos pretos que constituem uma proclamação de fé no cristianismo e no Islã: o manto preto dos mawlawyyas - os dervixes rodopiantes - representa a pedra sepulcral.
No Egito, segundo Horapollon, uma pomba preta era o hieróglifo da mulher que permanece viúva até a sua morte. Essa pomba preta pode ser considerada como a vida negada. Conhece-se a fatalidade manifestada pelo navio de velas negras, desde a epopéia grega até a de Tristão.

O subterrâneo da realidade aparentemente, é também o ventre da terra, onde se efetua a regeneração do mundo diurno. Cor de luto no Ocidente, o preto pode ser também o símbolo da fecundidade, tanto no Egito antigo, como na África do Norte: a cor da terra fértil e das nuvens inchadas de chuva.

O preto é das águas profundas. Homero vê o oceano como o preto. As Grandes Deusas da fertilidade, essas velhas Deusas mães, são com freqüência pretas em virtude de sua origem ctônica: as virgens negras acompanham assim as Ísis, as Áton, as Deméter e as Cibele.

Em seu aspecto profano, este mesmo preto brilhante e avermelhado é o preto dos corcéis murzelos da tradição popular russa, simbolizando o ardor e a força da juventude. O preto reveste o ventre do mundo, onde na grande escuridão geradora, opera o vermelho do sangue, símbolo da força vital. Daí a oposição freqüente do vermelho e do negro sobre o Eixo Norte-Sul, ou, o que vem dar no mesmo, o fato de que o vermelho e o preto podem substituir-se um ao outro.

O casamento de preto e branco é uma hierogamia; engendra o cinza intermediário, que, na esfera cromática, é o valor do rio e este, por sua vez, é o valor do centro, isto é, o homem.

As cores da morte são significativas. Essa morte iniciatória, prelúdio de um verdadeiro nascimento, ceifa a paisagem da realidade aparente - paisagem das ilusões perecíveis - com uma foice vermelha, enquanto que a própria paisagem está pintada de preto.

É a cor do mistério e mantém as intenções no anonimato. Instiga a curiosidade das pessoas, ao mesmo tempo em que se consegue passar despercebido com ela, que camufla as verdades ao exterior.
Capta o que acontece sem dizer a que veio. Protege das cargas negativas, mas por outro lado não deixa fluir a energia e, assim, não renova a carga energética do ser humano.

O instrumento da morte representa força vital, e sua vítima, o nada; ceifando a vida ilusória, o Arcano 13 prepara o acesso à vida real. O simbolismo do número confirma aqui o da cor; 13, que excede a 12, número do ciclo terminado, introduz uma nova partida, fomenta uma renovação.

Na linguagem heráldica, a cor preta é chamada sable (palavra francesa que significa areia), o que exprime suas afinidades com a terra estéril, habitualmente representada por um amarelo ocre, que é às vezes também o substituto do preto: é esse mesmo amarelo de terra ou de areia que representa o norte, frio, para os tibetanos e os kalmuks. O sable significa prudência, sabedoria e constância na tristeza e nas adversidades.

No extremo oriente, a dualidade do negro e do branco é, de um modo geral, a da sombra e da luz, do dia e da noite, do conhecimento e da ignorância, do yin e do yang, da terra e do céu.

Em muitas imagens da Idade Média, Judas o traidor aparece com uma auréola preta. Esse preto associado ao mal e à inconsciência, se encontra em expressões como "o negror de sua alma".

Ao mesmo simbolismo estaria ligado o famoso verso do Cântico dos Cânticos: Eu sou preta mas, contudo, bela, filhas de Jerusalém, que, segundo os exegetas do Antigo Testamento, é o símbolo de uma grande prova. Talvez seja por isso que o preto brilhante e quente, oriundo do vermelho, representa por sua vez, a soma das cores. Torna-se a luz divina por excelência no pensamento dos místicos muçulmanos.

O preto é, em geral, a cor da substância universal, da indiferenciação primordial, do caos original, das águas inferiores, do norte, da morte: uma associação de idéias que se mantém presas ao simbolismo hindu, chinês, japonês (onde nem sempre se opõe ao branco, mas, como exemplo na China, ao amarelo e ao vermelho). A obra em negro hermético, que é uma morte e um retorno ao caos indiferenciado, leva à obra em branco, e finalmente à obra em vermelho da libertação espiritual. E a embriologia simbólica do Taoísmo faz com que o princípio úmido suba do negror do abismo para se ligar ao princípio ígneo, com vistas à eclosão da flor de ouro: a cor do ouro é o branco.

Do ponto de vista da análise psicológica, nos sonhos diurnos ou noturnos, bem como as percepções sensíveis no estado de vigília, o preto é considerado como a ausência de toda cor, de toda luz. O preto absorve a luz e não a restitui. Evoca, antes de tudo, o caos, o nada, o céu noturno, as trevas terrestres da noite, o mal, a angústia, o inconsciente e a morte.

O preto é também a terra fértil, receptáculo do "se o grão não morrer" do Evangelho, esta terra que contém os túmulos, tornando-se assim a morada dos mortos e preparando seu renascimento.

O preto evoca também as profundezas abissais, os precipícios oceânicos (num mar sem fundo, numa noite sem lua), o que levava os antigos a sacrificar touros negros a Netuno. Nas cerimônias do culto de Plutão, Deus dos Infernos, compreendiam sacrifícios de animais pretos, ornados com tiras da mesma cor. Esses sacrifícios só podiam ser feitos nas trevas com a cabeça da vítima virada para a terra.

Sendo o evocador do nada e do caos, isto é, da confusão e da desordem, o preto é a obscuridade das origens; precede a criação entre todas as religiões. Para a Bíblia, antes que a luz existisse, a terra era informe e vazia, as trevas recobriam a face do abismo. Para a Mitologia greco-latina, o estado primordial do mundo era o Caos que engrenou a noite que se casou com seu irmão Érebo: tiveram um filho, o Éter. Assim, através da noite e do Caos, começa a penetrar a luz e a criação: o Éter.

Se o preto se liga à idéia do mal, isto é, a tudo o que contraria ou retarda o plano de evolução desejado pelo divino, é que o preto evoca o que os hindus chamam de a ignorância, a sombra de Jung, a diabólica Serpente-Dragão das Mitologias, que é preciso vencer em si mesmo para assegurar sua própria metamorfose. Mas que os trai a cada momento.

Ela é a cor indicativa da melancolia, do pessimismo, da aflição ou infelicidade. Está sempre presente em trajes de luto e sacerdotais nas missas dos mortos ou sexta-feira santa. Junta-se às cores diabólicas para representar, com o auxílio do vermelho, a matéria em ignição. Satã é chamado de Príncipe das Trevas, o próprio Jesus é as vezes representado de preto, quando é tentado pelo Diabo, como se estivesse recoberto com o véu negro da tentação.

Em sua influência sobre o psiquismo, o preto dá uma impressão de opacidade, de espessura, de peso. É assim que um fardo pintado de preto parecerá mais pesado que um fardo pintado de branco. Entretanto, um quadro tão sombrio das evocações da cor preta não impede que ela adquira um aspecto positivo.

Na mesma ordem de idéias, o Cavaleiro do Apocalipse que monta o cavalo preto tem na mão uma balança e deve medir o trigo, a cevada, o óleo e o vinho, repartindo assim, num período de fome, os produtos colhidos no solo terrestre fecundo da Grande Mãe Mundo.

Nos sonhos, a aparição de animais pretos, de negros ou de outras personagens escuras mostra que entramos em contato com nosso próprio universo instintivo primitivo que é preciso esclarecer, domesticar e cujas forças devemos canalizar para objetivos mais elevados.

Material de consulta: Dictionnaire Des Symboles - Livro Francês traduzido por Vera da Costa, Raul de Sá, Angela Merlim e Lúcia Merlim.
Matéria retirada do site Imasters.
Autor: Wellington Carrion

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